Mãe solteira: os impactos de uma solidão feminina
por Paula Libence
Creio que ser mãe solteira deve ser uma barra muito pesada para uma mulher enfrentar na vida. Pois, ser mãe solteira não significa apenas o fato de ter de criar seu filho sozinha, mas trazer consigo os impactos sociais que supostamente nunca serão superados. A “culpa” de ter gerado um filho, muitas vezes fruto de uma gravidez indesejável, a “necessidade” embutida no imaginário de muitas mulheres da presença masculina, e, consequentemente, a maternidade como função social e algo que possa torná-la, de fato, mulher. São vários os fatores que resultam numa maternidade que não é acolhida.
Historicamente, muitas mulheres passam pelo dissabor de ser mãe e não poder contar com a presença de um pai (e eu não falo só das mulheres pretas, pobres e faveladas). A representação simbólica de um pai numa relação parental não é permissiva apenas à procriação. Muitas de nós, mulheres, sabemos disso, até mesmo sem ter experimentado a maternidade.
Mas o que proponho explicitar aqui é o fato de que muitas mulheres se tornam mães solteiras na presença ou ausência de um homem. E isso não deveria acontecer, mas é um caso muito comum.
Mulheres ainda jovens se enlaçam no matrimônio, que são orientados pelo mito bíblico do “crescei e multiplicai-vos”. E muitas delas se deparam com a maternidade cedo ou tarde (muito mais cedo do que tarde, diga-se de passagem). Não importa o tempo. A maternidade ainda que no último minuto tem de ser contemplativa à sua figura.
Não devo aqui preterir as tantas mulheres, e nesse bojo eu me insiro, que não almejam na maternidade seu ideal de vida e satisfação plena. Mas não falo delas. Remeter-me-ei aqui tão somente às mulheres mães, por escolha ou falta dela.
Pois bem, venho falar de muitas mulheres que, imersas numa moral cristã, se constituem mães, a fim de satisfazer e compor um ideal de família bem próximo do modelo judaico-cristão – que coordena as estruturas sociais da nossa cultura ocidental – e, por sua vez, a maternidade ressoa como uma condenação. Uma condenação que subjaz às demais estruturas que lhe são impostas pelo simples fato de ser mulher. Tão logo, isso se contrapõe à ideia de que ser mãe é alcançar o refrigere de um padecimento edênico. O fato de ser mãe, por si só, remete à mulher assumir a responsabilidade única de internalizar esse papel como se a acometesse aos deveres que agora são seus, exclusivamente seus, e por isso, não cabe a outro fazê-lo. Afinal de contas, a criança cresce dentro do ventre feminino, portanto é a mulher que tem de segurar a barra sozinha.
Estou deste modo a dizer que mulheres se tornam mães muitas vezes por entender que assim elas terão permissividade suficiente para assumir lugares longe de qualquer outra condenação moral – o da “boa moça”, mulher “de família”, “senhora de respeito” e “boa mãe” – , mas que lhes proporcionam tantas outras dores e desconfortos.
Um exemplo claro do que acabo de dizer é o fato de mulheres com parceiro fixo, que se representa na figura de um namorado ou marido, se submeterem à maternidade por puro capricho e necessidade masculina. E, aliada a essa necessidade presente na figura do homem, impera o descompromisso inerente a uma figura paterna que possa representá-lo. Ou seja, várias dessas mulheres engravidam, carregam seu feto no ventre durante nove e longos meses, sentem a dor do parto, produzem dentro de si o alimento para sua cria succionar, e assumem toda responsabilidade por aquela criança.
Tudo isso remete à ideia de toda e qualquer isenção de responsabilidade paterna. Assumir a paternidade perfaz algo mais que constar do nome no registro de nascimento, ou até mesmo prover as condições materiais necessárias ao crescimento e desenvolvimento da criança (e ela que se vire para dar conta do resto). Ser pai pressupõe cuidado, acolhimento, envolvimento, e, sobretudo, participação.
Gerar um filho não é uma tarefa unilateral. Não é uma tarefa única e exclusivamente feminina. Tanto a maternidade quanto a paternidade se constituem na conjunção carnal. Quando dois indivíduos se envolvem sexualmente, e desse envolvimento provém a fecundação. Toda e qualquer responsabilidade gerada a partir dali passa a ser dupla. E mais que isso, a maternidade e a paternidade tendem a ser constituintes de um processo responsável, muito longe de ser um jogo de regras em que uma é penalizada em detrimento de outro que se isenta.
Diante disso, não é válido analisar a maternidade solitária num espectro desvinculado da presença do homem. Há mães que são solteiras mesmo na presença de seus companheiros. São porque o querem (ou não). Porque entendem que sua condição física-social é um passaporte para as agruras que a vida possa lhe impor, e com isso não veem e/ou buscam meios de infringir esse processo. Várias são as razões que condenam uma mulher a uma maternidade solitária.
Assumir a responsabilidade social de ser mãe solteira porque o homem que ajudou a gerar seu filho foge à responsabilidade também é algo a ser ponderado aqui. E isso difere de qualquer analogia à maternidade independente. Ser mãe por uma vontade inconsolável de querer gerar e assumir sozinha uma criança não deve, de forma alguma, ser posto em evidência quando trato tangencialmente dessas questões que envolvem a maternidade solitária. Essa abordagem ultrapassa os limites que aqui apresento.
Ter um filho e cuidar dele porque o pai se ausentou física, simbólica e oficialmente desse papel é um retrato cruel na vida de muitas mulheres. Para todos os efeitos, ele está ali, mas, na prática, ele não se ocupa com nada relacionado à criação do filho ou da filha.
Trato aqui dos muitos casos de mulheres casadas que geram filhos, mas assumem a responsabilidade desse filho única e exclusivamente sozinha. Ou seja, para ser mãe solteira não basta não ter a presença de um pai ainda que no registro de nascimento. Há mães solteiras, com pai presente no registro e em casa. O pai que atinge a paternidade, mas não a contempla. O pai que ao lado de sua mulher e filho ignora a responsabilidade de assumi-los.
Assumir um filho perpassa pelo cuidar, acariciar, alimentar, levar ao médico, trocar fralda. Participar ativamente de todas as etapas de sua criação, mas que por conta da cultura machista em que fora criado, essa postura não lhe cabe, pois isso é coisa de mulher. Mulher é quem cuida, dá banho, acalma o choro, acalenta, alimenta e muito mais. Portanto isso não o cabe.
O homem só quer saber da criança quando ela está de banho tomado, cheirosa, sadia, alimentada, bem cuidada e bem tratada. Pois quando o filho ou a filha dele traz alguma queixa da escola para casa ou precisa de que ele resolva algum impasse dentro de casa, a primeira coisa que ele diz é “pergunte à sua mãe”.
As estatísticas que versam sobre mães solteiras apontam para os casos de mulheres que geram e criam seus filhos solitariamente. Mas não tratam dos muitos casos em que o pai presente fisicamente se ausenta simbólica e paternalmente.
Os impactos de uma maternidade solitária promovem efeitos tão catastróficos quando aos de uma mãe solteira por ausência física. A inércia paternal dos homens que optam por assim se comportar é muito mais cruel e mordaz devido às responsabilidades que lhe escapam e sobrecaem na mulher.
Buscar razões para explicitar os diversos casos que acometem as mulheres nesse aspecto é desnecessário, pois sabemos quais são, mas a atenção a esses casos é primordial. Eles existem e passam despercebidos por todas nós. Isso aqui é só uma provocação.
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